O tratamento com canabidiol (CBD) tem ganhado destaque significativo na área da saúde mental e física, sendo objeto de interesse tanto para pacientes quanto para profissionais de saúde. Este texto tem como objetivo fornecer uma visão abrangente sobre o uso do canabidiol, abordando desde a atual situação normativa no Brasil até as teorias sobre seus mecanismos de ação no tratamento de diversas condições médicas.
Regulamentação do Canabidiol pela Anvisa no Brasil
O uso de canabidiol no Brasil é regulamentado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A regulamentação brasileira sobre produtos à base de canabidiol passou por várias mudanças nos últimos anos, refletindo o crescente reconhecimento do potencial terapêutico desses compostos. Em 2015, a Anvisa reclassificou o canabidiol, retirando-o da lista de substâncias proibidas e permitindo sua importação para fins medicinais, desde que com prescrição médica e mediante autorização prévia.
Em dezembro de 2019, a Anvisa aprovou a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 327/2019, que regulamenta a fabricação, importação, comercialização, prescrição, dispensação, monitoramento e fiscalização de produtos à base de cannabis. Segundo essa resolução, produtos derivados de cannabis podem ser comercializados em farmácias mediante prescrição médica e só podem ser fabricados por empresas farmacêuticas que possuam a devida autorização da Anvisa. No entanto, ainda existem limitações quanto à produção nacional, sendo a maioria dos produtos disponível no Brasil importada.
Recentemente, há discussões sobre a possível ampliação do acesso ao canabidiol, incluindo a facilitação do cultivo da cannabis para fins medicinais por empresas regulamentadas, o que poderá impactar positivamente o custo e a disponibilidade do tratamento no país.
Como o Canabidiol é Produzido?
A produção de canabidiol envolve a extração do composto da planta de cannabis. Existem diferentes métodos para essa extração, sendo os mais comuns:
– Extração por CO2 Supercrítico: Considerado o método mais seguro e eficiente, utiliza dióxido de carbono em condições supercríticas (entre líquido e gasoso) para extrair os canabinoides da planta.
– Extração por Solventes: Utiliza solventes como etanol ou butano para dissolver os canabinoides da planta, posteriormente removendo o solvente para obter o extrato.
– Extração por Óleo: A extração por óleo usa azeite para extrair os canabinoides. No entanto, esse método é menos eficiente e o produto final tende a ter uma vida útil mais curta.
Após a extração, o canabidiol pode passar por processos de purificação para remover impurezas e outros compostos, dependendo da finalidade do produto final, que pode ser de espectro completo (full-spectrum), amplo espectro (broad-spectrum) ou isolado (CBD puro).
Apresentações do Canabidiol e Outros Compostos da Cannabis
Os produtos à base de canabidiol estão disponíveis em várias formas de apresentação, cada uma com características próprias:
– Óleos e Tinturas: A forma mais comum de CBD, administrada por via sublingual. Permite controle preciso da dosagem e rápida absorção.
– Cápsulas: Oferecem uma maneira conveniente e discreta de ingestão, com liberação gradual do CBD.
– Gomas e Comestíveis: Outra forma discreta, que combina o CBD com sabores agradáveis, porém com absorção mais lenta.
– Cremes e Loções: Utilizados para aplicação tópica em áreas específicas, muito útil para dores localizadas e problemas de pele.
– Vapes: Proporcionam absorção rápida através dos pulmões, mas essa forma de uso é controversa devido a possíveis riscos associados ao ato de fumar ou vaporizar.
Além do canabidiol (CBD), outros compostos da planta de cannabis, como o tetrahidrocanabinol (THC), o canabigerol (CBG) e o canabinol (CBN), também podem estar presentes, especialmente em produtos de espectro completo. Cada um desses compostos possui propriedades terapêuticas específicas:
– THC: Embora seja conhecido por seu efeito psicoativo, em doses controladas pode ser útil no manejo de dor crônica e náuseas associadas à quimioterapia.
– CBG: Menos conhecido, mas promissor no tratamento de condições como glaucoma e doenças inflamatórias intestinais.
– CBN: Potencialmente útil para melhorar o sono, devido às suas propriedades sedativas.
Onde Comprar Produtos à Base de Canabidiol
No Brasil, os produtos à base de canabidiol podem ser adquiridos em farmácias que possuem autorização para a comercialização desses produtos. No entanto, o acesso ainda é limitado e os custos são relativamente elevados, o que leva muitos pacientes a optar pela importação. A Anvisa permite a importação de produtos à base de canabidiol mediante prescrição médica e cadastro do paciente junto à agência.
Alguns dos principais laboratórios nacionais e internacionais que produzem e fornecem produtos à base de canabidiol incluem:
– Nacionais: Prati-Donaduzzi, Ease Labs, e Zion MedPharma.
– Internacionais: Charlotte’s Web, Elixinol, e Medterra.
Esses laboratórios são reconhecidos pela qualidade e pureza de seus produtos, que são rigorosamente testados para garantir segurança e eficácia.
Argumentos a Favor do Uso de Compostos de Canabidiol em Doenças Psiquiátricas
O uso de canabidiol (CBD) e outros compostos da cannabis, como o tetrahidrocanabinol (THC), o canabigerol (CBG), e o canabinol (CBN), tem sido cada vez mais estudado no contexto de doenças psiquiátricas. Argumentar a favor do uso desses compostos envolve destacar as evidências científicas disponíveis, que sugerem um potencial terapêutico significativo em diversas condições psiquiátricas, muitas vezes onde os tratamentos convencionais são limitados ou ineficazes.
1. Canabidiol (CBD) em Transtornos de Ansiedade
Entre os compostos mais estudados da cannabis, destaca-se o CBD. Este canabinoide possui propriedades ansiolíticas comprovadas. Estudos apontam sua eficácia no tratamento de diversos transtornos de ansiedade. Um estudo de revisão publicado em *Neurotherapeutics* (Blessing et al., 2015) concluiu que o CBD possui propriedades ansiolíticas em modelos humanos e animais, sendo eficaz em condições como transtorno de ansiedade generalizada, transtorno de pânico, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e transtorno obsessivo-compulsivo (TOC).
Referência: Blessing, E. M., Steenkamp, M. M., Manzanares, J., & Marmar, C. R. (2015). Cannabidiol as a Potential Treatment for Anxiety Disorders. *Neurotherapeutics*, 12(4), 825–836. doi:10.1007/s13311-015-0387-1.
2. Tetrahidrocanabinol (THC) e Canabidiol (CBD) em Transtornos de Humor
O THC, apesar de seu efeito psicoativo, em combinação com o CBD, tem mostrado potencial no manejo de transtornos de humor, incluindo depressão e transtorno bipolar. Estudos indicam que a interação entre THC e CBD pode modular o humor de forma positiva. Em um estudo publicado no *Journal of Affective Disorders* (Zuardi et al., 2006), pacientes com transtorno bipolar tratados com uma combinação de CBD e THC relataram melhora nos sintomas depressivos.
Referência: Zuardi, A. W., Crippa, J. A. S., Hallak, J. E. C., Bhattacharyya, S., Atakan, Z., Martin-Santos, R., … & Mechoulam, R. (2006). A critical review of the antipsychotic effects of cannabidiol: 30 years of a translational investigation. *Current Pharmaceutical Design*, 18(32), 5131-5140.
3. Canabidiol (CBD) em Esquizofrenia
Na esquizofrenia, o CBD tem demonstrado efeitos antipsicóticos sem os efeitos colaterais associados aos antipsicóticos tradicionais. Um estudo duplo-cego, controlado por placebo, publicado no *American Journal of Psychiatry* (Leweke et al., 2012), mostrou que o CBD foi tão eficaz quanto o antipsicótico amisulprida na redução de sintomas psicóticos, com menor incidência de efeitos colaterais.
Referência: Leweke, F. M., Piomelli, D., Pahlisch, F., Muhl, D., Gerth, C. W., Hoyer, C., … & Koethe, D. (2012). Cannabidiol enhances anandamide signaling and alleviates psychotic symptoms of schizophrenia. *Translational Psychiatry*, 2(3), e94.
4. Canabidiol (CBD) e Transtorno do Estresse Pós-Traumático (TEPT)
O CBD tem sido destacado como uma alternativa promissora para o tratamento do TEPT. Estudos sugerem que o CBD pode ajudar a reduzir os sintomas de TEPT, incluindo flashbacks, pesadelos e ansiedade relacionada. Em um estudo publicado no *Journal of Alternative and Complementary Medicine* (Blessing et al., 2015), foi relatado que o CBD reduziu significativamente os sintomas de TEPT em veteranos de guerra.
Referência: Blessing, E. M., Steenkamp, M. M., Manzanares, J., & Marmar, C. R. (2015). Cannabidiol as a Potential Treatment for Anxiety Disorders. *Neurotherapeutics*, 12(4), 825–836. doi:10.1007/s13311-015-0387-1.
5. Cannabigerol (CBG) e Transtornos de Ansiedade e Depressão
O CBG é um canabinóide não psicoativo que tem mostrado potencial em estudos pré-clínicos para tratar ansiedade e depressão. Em um estudo publicado na ‘Journal of Pharmacology and Experimental Therapeutics’ (Borrelli et al., 2013), foi demonstrado que o CBG possui propriedades antidepressivas e ansiolíticas, o que sugere que este composto pode ser útil no tratamento de transtornos do humor.
Referência:Borrelli, F., Fasolino, I., Romano, B., Capasso, R., Maiello, F., Coppola, D., … & Izzo, A. A. (2013). Beneficial effect of the non-psychotropic plant cannabinoid cannabigerol on experimental inflammatory bowel disease. *Biochemical Pharmacology*, 85(9), 1306-1316.
6. Canabinol (CBN) e Distúrbios do Sono
O CBN, embora menos estudado, tem demonstrado efeitos sedativos que podem ser benéficos para o tratamento de distúrbios do sono frequentemente associados a transtornos psiquiátricos, como insônia. Um estudo publicado no ‘Journal of Psychopharmacology’ (Cunha et al., 1980) indicou que o CBN poderia ter efeitos relaxantes e indutores do sono, o que é crucial para pacientes com transtornos psiquiátricos que sofrem de insônia crônica.
Referência: Cunha, J. M., Carlini, E. A., Pereira, A. E., Ramos, O. L., Pimentel, C., Gagliardi, R., … & Mechoulam, R. (1980). Chronic administration of cannabidiol to healthy volunteers and epileptic patients. ‘Pharmacology’, 21(3), 175-185.
Conclusão
O conjunto crescente de evidências sugere que os compostos de canabidiol, incluindo o CBD, THC, CBG e CBN, têm potencial significativo no tratamento de várias doenças psiquiátricas. Embora mais pesquisas sejam necessárias para elucidar completamente os mecanismos de ação e otimizar os tratamentos, os dados disponíveis até agora são promissores e apoiam a inclusão desses compostos em protocolos terapêuticos para transtornos psiquiátricos. É importante que os pacientes e profissionais de saúde considerem esses tratamentos como parte de uma abordagem integrada e personalizada, sempre sob a orientação de um especialista em saúde mental.
